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OIPM - Observatório de Interações Planta-Medicamento
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Utilização de produtos à base de plantas
[ 2013-05-03 ]

A utilização de produtos à base de plantas, ou apenas extratos resultantes de uma medicina tradicional caseira (como as infusões), tem sido descurada no que diz respeito à vigilância destes produtos e muito mais no que concerne às interações dos mesmos com medicamentos, deixando muitas vezes crer que são desprovidos de efeitos adversos. Infelizmente não é essa a realidade e, de facto, o aumento do número de relatos de casos, incluindo mortes, em que ocorreram interações entre plantas e medicamentos tem acompanhado o recente crescimento do consumo de produtos naturais.
É necessário educar para o consumo as nossas populações e criar nelas um sentido crítico. Para isso, é absolutamente fundamental que o consumidor conheça os vários tipos de produtos disponíveis no mercado, o que contêm, para que servem, e o risco que pode correr quando os consome. Isto para que não se deixe iludir ao ser aliciado a comprar o que muitas vezes lhe pode causar danos graves em termos de saúde.
Existem no mercado vários tipos de produtos que podem conter plantas, para além dos alimentos. Os “Suplementos alimentares” que têm uma legislação específica e se destinam a complementar a alimentação e depois temos os “Medicamentos à base de plantas” e/ou os “Medicamentos tradicionais à base de plantas” em que ambos contêm Plantas Medicinais.
Os “Medicamentos à base de Plantas” (MBP) são medicamentos cujo pedido de autorização de introdução no mercado (AIM) tem que ser acompanhado por um dossier com informações e documentos sobre os resultados dos ensaios físico-químicos, biológicos ou microbiológicos, bem como farmacológicos e toxicológicos e sobre os ensaios clínicos dos medicamentos que comprovem a sua qualidade, segurança e eficácia (Diretiva 2001/83/CE de 6 de novembro de 2001). Ou seja, têm que mostrar as mesmas provas que os outros medicamentos. A exigência é de facto muito elevada e não são muitos os exemplos de “Medicamentos à base de Plantas” no mercado português.
Os “Medicamentos tradicionais à base de Plantas” (MTBP) figuram legalmente, e pela primeira vez, na Diretiva 2004/24/CE de 31 de março de 2004. Esta nova “categoria” de medicamento engloba as plantas medicinais que demonstrem, através de literatura científica publicada, que o ou os seus constituintes ativos têm um uso clínico bem estabelecido, eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável. Além do referido, para se considerarem tradicionais estas plantas têm que ter no mínimo 30 anos de utilização terapêutica em humanos, dos quais no mínimo 15 no território da Comunidade Europeia. Aqueles que preencherem estes requisitos serão beneficiados com um registo simplificado especial que lhes permite a não apresentação de resultados de ensaios pré-clínicos e clínicos. O recurso a esta categoria de medicamento permite também assegurar a qualidade do produto final que chega ao utente (uma vez que os critérios de qualidade são os mesmos exigidos aos outros medicamentos) e também que estes produtos tenham um folheto informativo para o utente onde apenas estejam constantes informações comprovadas e não sejam feitas alegações terapêuticas sem que exista um fundamento para as mesmas.
Tanto os MBP como os MTBP são considerados medicamentos e é da competência do INFARMED a sua Farmacovigilância (artigos 166º a 175º do Decreto–Lei n.º 176/2006) e supervisão, desde o processo de autorização de introdução no mercado, até e durante a sua comercialização.
Os “Suplementos Alimentares” (SA) são conceptualmente produtos que suplementam planos alimentares deficitários em alguma(s) vitamina(s), nutriente(s), sais minerais, etc. Mas na prática não é isso que vemos representado no mercado comercial: temos formulações que não suplementam em nada os planos alimentares a ser vendidas como tal, e para além disso, o leque de substâncias que podem ser incluídas nestas formulações parece não ter limite. Esta mescla e confusão de conceitos baralha completamente o consumidor que, no final, acaba por não perceber as diferentes categorias de produtos que tem no mercado nem sabe como deve distinguir e encarar cada uma delas. O resultado é o seguinte: temos doentes a tomar suplementos para tratamento de doenças; pessoas saudáveis a tomar suplementos para prevenir doenças que não são possíveis de prevenir; pessoas que deixam de tomar a medicação convencional porque esta apresenta efeitos adversos e os suplementos não; e doentes a tomar suplementos que podem prejudicar a sua saúde diretamente, ou indirectamente, por interações com a medicação convencional.
Não se pretende com esta descrição danificar a imagem dos SA, mas sim, alertar para o facto de que esta categoria de produtos inclui, na prática, uma grande quantidade de compostos que não são suplementos alimentares, mas sim compostos ativos que têm ação sobre o organismo e que modificam a suas funções fisiológicas. Exemplo disso são as plantas medicinais que contêm na sua composição produtos farmacologicamente ativos, muitos deles até letais.
Compostos com este tipo de atividade devem ser encarados como medicamentos, para que se possa estudar o impacto na saúde e, depois destes estudos estarem feitos, se possa fazer vigilância dos mesmos.
A somar às categorias já abordadas temos ainda os produtos correntes disponíveis em supermercados, através de linhas telefónicas (exibidos nos “media” em programas ou em formato publicitário), e mesmo via internet. Este tipo de produtos tem qualidade muito duvidosa, o seu conteúdo pode variar de embalagem para embalagem, uma vez que nem sempre é feito loteamento e a composição qualitativa e quantitativa nem sempre é explícita e muito menos padronizada. Na prática as alegações “terapêuticas”, embora proibidas, que estes produtos fazem são as mais “milagrosas”. Geralmente servem para melhorar várias patologias ao mesmo tempo, prometendo às vezes a cura, e tudo isto sem efeitos adversos.
É essencial que se esclareça que os compostos que retiramos da natureza são tão “químicos” quanto os que isolamos ou sintetizamos em laboratório. De frisar também que o carater tóxico das substâncias não é menor ou maior por elas serem naturais ou não; os maiores venenos existem na natureza, quer sejam provenientes de animais (como o veneno de escorpião, cobras, abelhas, sapos, etc), de plantas (como a cicuta, loendro, dedaleiras, acónito, meimendro, figueira do inferno, etc), ou de vírus e bactérias (como a toxina do Clostridium botulinum). Este mito de que “ o que é natural, não faz mal” tem que ser desvanecido, porque está muito longe de ser verdade e representa uma verdadeira ameaça à saúde pública.
Muitos dos produtos correntes são comercializados à margem da lei, embora exista legislação específica que os controle se eles estiverem devidamente enquadrados. Nestas circunstâncias, e usando para isso as mais arrojadas estratégias de marketing, muitos produtos têm estado indevidamente disponíveis para consumo, mesmo estando a interferir na saúde das populações.
Em suma, parece ser lucrativo vender produtos naturais como produtos correntes ou suplementos alimentares, porque apesar do pouco controle de qualidade e das poucas provas de segurança e eficácia, as populações desconhecem estas diferenças e continuam a comprar aquilo que lhes “parece” mais eficaz, baseado em golpes de marketing, e não em evidência científica.
O futuro adivinha-se diferente desta realidade, uma vez que a mentalidade dos consumidores está a mudar e cada vez mais sabem “ler” rótulos e exigir qualidade dos produtos que consomem. Assim sendo, as empresas serão cada vez mais penalizadas se não adoptarem as regras estabelecidas e validarem os seus produtos à luz da legislação vigente.
A capacitação do cidadão para uma escolha consciente de produtos que lhe ofereçam qualidade, eficácia e segurança é sem dúvida a mais-valia que irá ajudar a regular o consumo e comércio destes produtos.





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